segunda-feira, 30 de junho de 2008

Bons Conselhos aos Atores


I

HAMLET - Peço uma coisa, falem essas falas como eu as pronunciei, língua ágil, bem claro; se é para berrar as palavras, como fazem tantos de nossos atores, eu chamo o pregoeiro público para dizer minhas frases. E nem serrem o ar com a mão o tempo todo; moderação em tudo; pois mesmo na torrente, tempestade, eu diria até no torvelinho da paixão, é preciso conceber e exprimir sobriedade - o que engrandece a ação. Ah, me dói na alma ouvir um desses latagões robustos, de peruca enorme, estraçalhando uma paixão até fazê-la em trapos, arrebentando os tímpanos dos basbaques que, de modo geral, só apreciam berros e pantomimas sem qualquer sentido. (...) Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, com cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e e agora, era, e é, exibir um espelho à natureza; mostrar à virtude sua própria expressão, ao ridículo sua própria imagem, e a cada época e geração sua forma a efígie.

William Shakespeare - Hamlet - cena II do Ato III.

II

Mostrai Que Mostrais

Mostrai que mostrais. Entre as diversas atitudes
Que mostrai ao mostrardes como os homens se controlam
Não deveis esquecer a atitude de mostrar.
Que cada atitude se funde sobre a atitude de mostrar.
O exercício é o seguinte: antes de mostrardes
Como é que um homem trai, ou se torna ciumento,
Ou fecha o negócio, olhai para o espectador
Como se quisésseis dizer-lhe:
E agora atenção, este homem vai trair, e vai trair assim.
Eis como ele se transforma quando o ciúme o assalta,
Depois de fechar o negócio. Deste modo,
A vossa demonstração acompanhará a atitude de mostrar,
De continuar eternamente. Assim mostrareis
Que todas as noites mostrais o que mostrais, que já
mostrastes muitas vezes,
E vossa representação terá qualquer coisa do trabalho
do tecelão,
Qualquer coisa de artesanal. O que faz parte da demonstração,
A vossa aplicação constante para facilitar
A observação, para permitir o melhor entendimento
De cada acontecimento, tornai-o bem visível. E assim
Atraiçoar, fechar um negócio,
Ter ciúmes, tudo isso passará a ser
Uma função quotidiana como qualquer uma destas: comer,
dizer bom dia ou
Trabalhar. (Porque vós trabalhais, não é verdade?) E por trás
Dos vossos personagens, vós permanecereis visíveis
como aqueles
que vós representais.

B. Brecht

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