Como colocado aqui na sexta-feira, ontem (segunda feira, dia 23) foi liberado para consulta pública o texto que traz novidades para a velha Lei Rouanet, uma lei (vejam vocês) do governo Collor, que se estabeleceu como o carro chefe da produção cultural brasileira. Antes de comentar as mudanças na Lei, procuremos entender como ela funciona:
1) A Lei Rouanet funciona, principalmente, com o mecanismo de isenção fiscal. A coisa se dá desse modo; o proponente escreve o projeto nos moldes da lei, preenchendo um formulário até bastante simples, e o governo aprova (ou não) o seu projeto, dando um documento que permite ao produtor ir atrás dos recursos nas empresas. Essa é a contradição fundamental da Lei Rouanet, que faz com que tantos artistas, notadamente a classe teatral paulistana, se posicionem, não pela reforma da lei, mas por sua extinção: o Estado libera uma carta para que as empresas decidam que espetáculo vai ser beneficiado... com dinheiro do Estado! Dessa maneira, sob o argumento de passar a responsabilidade para a sociedade civil, o Estado transfere para as empresas apenas o ônus da decisão, uma vez que o financeiro permanece sendo Estatal.
2) Ainda assim, a parcela da sociedade civil para quem o governo transfere a responsabilidade fica circunscrita a um universo bem pequeno de empresas; aquelas que declaram o imposto de renda com base em lucro real. Expliquemo-nos; por razões contabilísticas que nós aqui do Núcleo 1408 não temos competência matemática para explicar, apenas grandes empresas declaram com base no lucro real; as empresas menores declaram em outro sistema, de lucro presumido. Dessa maneira, uma vez aprovado o projeto na Lei, quem desejar obter o dinheiro para realizar de fato o projeto deve penetrar no estranho mundo dessas corporações, com suas incontáveis salas de cafezinho onde a cultura é debatida no vocabulário único do universo corporativo. Dessa maneira entra em cena uma outra figura fundamental para entender o quiprocó em torno da Lei Rouanet; o Captador de Recursos.
3) O Captador de Recursos, como o nome deixa claro, capta recursos. Ele não escreve projetos, não faz peças ou escreve livros, não sabe dançar, cantar nem representar. O acesso às salas de cafezinho acima citadas lhe permite desempenhar a função de intermediário entre a empresa e o produtor cultural, e, na antiga Lei Rouanet, isso podia lhe valer de 10% à 20% do valor total dos projetos. Uma das mudanças propostas pelo Ministério da Cultura é justamente a proibição desse intermediário. Não há, no entanto, nenhuma solução prática que faça a presença desse intermediário realmente desnecessária. Vejamos: o universo das empresas que podem usar a Lei Rouanet é o das grandes empresas. Na maioria delas há um grande labirinto antecedendo os responsáveis pela aprovação do seu projeto. Dessa forma, o produtor cultural mais competente precisará do captador para que o seu projeto chegue a ser lido. Na nova Lei Rouanet a presença do intermediário simplesmente se proíbe, e resta um evidente chamado à corrupção; se não se pode contratar um captador pelo valor obsceno que se contratava antes, e continua-se sem acesso às salas de cafezinho, a tendência será pagar esse intermediário "por fora". É verdade, no entanto, que a lei diminui o papel da isenção fiscal, fortalecendo outros mecanismos.
Duas Lógicas: Produtores e Grupos.
O debate em torno da Lei Rouanet poderia ser usado como ilustração do embate entre a lógica liberal, privatizante, e a lógica de esquerda, estatizante. O movimento dos grupos teatrais Redemoinho posiciona-se claramente pelo FIM da dita lei. O argumento base é aquele exposto no item 1) dar ao mercado o ônus da decisão sobre um dinheiro público. De dentro da cozinha, sabe-se que os artistas de teatro jamais conseguem financiar seus projetos através da lei rouanet. Como a "responsabilidade social" que as empresas desejam expressar através do financiamento de projetos culturais é de natureza publicitária, a Rouanet acaba privilegiando os artistas cuja credibilidade se firma na exposição na mídia. Em uma manifestação do movimento, o corinho entoava "Lei Rouanet, cadê você? Eu tô aqui com os artistas da t.v" - e sabemos que é verdade. Um dado do Ministério revela que 50% dos projetos se concentra na mão de 3% dos agentes. Parece piada.
Enquanto os grupos teatrais reivindicam justamente um Teatro Público, e a transferência da verba através de editais, os produtores tem medo de dirigismo cultural por parte do Estado. Os que já lucram, e muito, com a Lei, falam dos terrores do Estado controlando a cultura.
O fato é que vivemos um descontrole completo, extremamente lucrativo para muito poucos. As senhoras elegantes que frequentam os espetáculos com ingressos a 150, 200 reais, não imaginam que já pagaram esses ingressos, uma vez que o dinheiro que financiou o espetáculo é público - por algum motivo, só compreensível para nós, brasileiros, a parte da Lei que determina uma contrapartida social aos projetos, inclusive com ingressos gratuitos e promocionais, funciona de forma precária, quase nula. Os produtores, portanto, recebem duas vezes.
A Nova Lei Rouanet não parece fazer muito nesse sentido também, mas procura aumentar a participação do Estado. O que tinha a proporção de 80% a 20% no jogo "Mercado e Poder Público" passará a ter o balanço de 25% a 75%, invertido, está claro, o vetor: aumentaria a capacidade de investimento direto do Estado (através de mecanismos como o Fundo Nacional de Cultura, que já existe, mas que sairia fortalecido dessa nova formulação) e terá que crescer o investimento direto, e também o risco (no momento, nulo), do setor privado. Fazer valer a contrapartida que já está prevista na lei é um problema da prática, não da teoria.
Leia artigo do Terra Magazine sobre a mudanças na Lei Rouanet.
Enquanto os grupos teatrais reivindicam justamente um Teatro Público, e a transferência da verba através de editais, os produtores tem medo de dirigismo cultural por parte do Estado. Os que já lucram, e muito, com a Lei, falam dos terrores do Estado controlando a cultura.
O fato é que vivemos um descontrole completo, extremamente lucrativo para muito poucos. As senhoras elegantes que frequentam os espetáculos com ingressos a 150, 200 reais, não imaginam que já pagaram esses ingressos, uma vez que o dinheiro que financiou o espetáculo é público - por algum motivo, só compreensível para nós, brasileiros, a parte da Lei que determina uma contrapartida social aos projetos, inclusive com ingressos gratuitos e promocionais, funciona de forma precária, quase nula. Os produtores, portanto, recebem duas vezes.
A Nova Lei Rouanet não parece fazer muito nesse sentido também, mas procura aumentar a participação do Estado. O que tinha a proporção de 80% a 20% no jogo "Mercado e Poder Público" passará a ter o balanço de 25% a 75%, invertido, está claro, o vetor: aumentaria a capacidade de investimento direto do Estado (através de mecanismos como o Fundo Nacional de Cultura, que já existe, mas que sairia fortalecido dessa nova formulação) e terá que crescer o investimento direto, e também o risco (no momento, nulo), do setor privado. Fazer valer a contrapartida que já está prevista na lei é um problema da prática, não da teoria.
Leia artigo do Terra Magazine sobre a mudanças na Lei Rouanet.
Leia na Íntegra a Nova Proposta da Lei
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5 comentários:
Por que o teatro brasileiro precisa ser financiado pelo governo?
Qual lugar do mundo o teatro e o cinema têm que ser financiados (pagos) pelo governo, para que existam?
Sinto muito, agora o teatro é pobrezinho e não consegue captar recursos? Porque o diretor que inventou de fazer a peça não sabe nada de administração e não sabe nada de captar recursos e tem que pagar 10% disso pra alguém que saiba, ele se sente roubado?!
Ou estou perdendo algo, ou há um cheiro de incompetência no ar... e se é culpa da cultura brasileira, tirem essa porcaria de governo do PT e ponham outro lá, que privilegie a educação.
A responsabilidade é toda nossa!
Isso é que dá não sabermos escolher nossos governantes. Penso que é muito bem feito para todos nós! Quem sabe daqui a 50 anos, não aprendemos!
Edu o problema não é incompetência do diretor. Acontece que uma peça inclui gastos extremamente altos de sálarios, cenários, iluminação e etc. Por isso uma peça ou um projeto musical precisa de patrocínio. Quanto ao fato de chegar numa empresa e convencer um Diretor da empresa X a patrocinar um projeto não parece ser algo simples para qualquer um resolver. Ou você entra numa grande empresa somente por ter estudado? Se não houver o famoso Q.I. é bem difícil e não questão de incompetência, compreende?
Acho q esse EDU deve viver em outro planeta pq pra mim o texto esta + q claro! No Brasil tudo funciona na base do QI, e se ha alguém incompetente na historia, é certamente o brasileiro que nao sabe fazer escolhas: desde o politico até o programa que ele assiste na TV!
Eu digo: viva o capital estrangeiro, pq se dependermos dessa baixaria que é o Estado brasileiro, teremos que esperar muito + q 50 anos!
Eu sou contra esse estado PATERNALISTA que vcs pregam. Concordo em alguns pontos com o Edu. Esse discurso anti capitalismo me parece bem inadequado e antigo. Precisamos do capital para podermos produzir cultura e se isso está nas mãos das grandes corporações...temos que ir até elas.
Os diretores de teatro devem começar a aprender a captar recursos e não esperar que isso caia no colo.
Só lembrando...empresas são pessoas, tentem se aproximar dessas pessoas e verão que são menos ferozes do que vcs imaginam...o mundo atual exige profissionalismo e conhecimento de marketing, independente da área em que vc atua.
Tentem, tentem, tentem...se a empresa perceber que seu "produto cultural" é bom, ela investirá nele, mas vc tem que saber "vender" seu produto.
LEMBREM-SE: LUCRO E SUCESSO NÃO É PECADO
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