Tínhamos recebido dois e-mails, o primeiro, reproduzido aqui anteontem, nos convocava ao Ato Público que ocupou no mesmo dia a sede da Funarte. O segundo trazia uma segunda convocação aos que não foram, avisando que "a polícia está na porta pressionando, não permite a entrada de comida e quer fichar os que tentam sair". Notícias de quem estava dentro da manifestação descrevem a postura covardona da Instituição e do seu presidente, que liberaram os funcionários e fecharam a Funarte, deixando os manifestantes na rua, no dia 26, o que levou a ocupação do espaço no dia seguinte pelo movimento, momento em que a polícia cercou o espaço, como descrito acima.
Nós do Núcleo 1408 publicamos aqui a convocação por achar importante o debate democrático da classe artística com o governo, e para fazer saber aos leitores do blog o anda acontecendo, mas não comparecemos. Não foi por preguiça. Da última vez em que participamos de uma manifestação do Redemoinho, uma reflexão posterior sobre as causas e as exigências nos fez sair com uma incômoda sensação de ter servido de massa de manobra. Concordamos mesmo com essas reivindicações? Uma exame posterior, com calma, nos revelou uma série de discordâncias que nos impedem de fazer coro à manifestação. As exigências do Movimento 27 de Março (o que ocupou a Funarte), e que são as mesmas do Redemoinho, podem ser conferidas aqui. Essencialmente, elas circulam em torno do fim da isenção fiscal (cujas contradições foram fruto de reflexão no post do dia 24/o3/09) e de uma centralização do financiamento da cultura nas mãos do Estado, que também exerceria, através de editais, a escolha dos projetos incentivados. Para tornar o processo de escolha democrático, as comissões seriam paritárias entre membros indicados pelo governo e pela classe artística, como ocorre hoje com a Lei de Fomento paulistana.
É claro que apenas os que lucram muito com o atual formato de isenção fiscal são capazes de defendê-lo, pelos motivos que já expusemos nesse blog, mas será que vale a pena substitui-lo por editais e mais editais? O que está em questão? Um discurso sobre a função e a necessidade da arte somente? Também a sobrevivência dos artistas?
A lei de isenção fical paulista, por exemplo, abre um leque de empresas muito maior que a rouanet; ideologicamente ela traz o mesmo defeito; dar ao empresário o ônus da decisão sobre o destino de um dinheiro público, mas não limita o produtor cultural a um universo de empresas tão grandes, tão desejosas de nomes importantes para a sua "publicidade cultural". Como disse outro dia o produtor-ator-e-dramaturgo de um grupo de São Paulo, citando Walter Benjamin, o artista não pode estar ante ao meio de produção, mas dentro dele. Que queremos nós dizer com isso?
Nunca houve, pelo menos em São Paulo, tanto dinheiro para o teatro, e o bem gerado por esse dinheiro não parece proporcional. Mesmo os grupos incentivados pelos editais continuam apresentando-se em salas minúsculas, desconfortáveis, para uma meia dúzia de interessados, e em geral pagando-se mal. Fazem, em sua maioria, um trabalho bonito e relevante, mas incapaz de furar o bloqueio do público. Os grupos mais novos quase nunca conseguem aprovação nesses editais, ou são levados, pela competição com grupos mais antigos, a propor projetos de muito trabalho e orçamento franciscano. Assim, não se resolve o problema da sobrevivência, e outro problema relacionado diretamente a ele: o da qualidade. A excelência de um trabalho em teatro é, salvo raras excessões, diretamente proporcional ao investimento nos ensaios e no preparo do espetáculo. Os projetos de "teatro comercial" (seja lá o que isso significa) costumam ser muito curtos porque, sendo os salários altos, não é possível mantê-los por muito mais que dois meses. Os projetos dos grupos de pesquisa costumam ser mais longos, mas como não remuneram adequadamente os artistas esse tempo acaba sendo diluído nas preocupações com as contas, e a qualidade do trabalho luta constantemente contra o tempo necessário para ganhar dinheiro fora dele. E repita-se, todo esse dinheiro para o Teatro, em São Paulo, não foi capaz de atrair o público. Então em que direção nos levariam as exigências do Movimento 27 de Março? É certo que o Estado precisa apoiar a cultura, mas com que objetivos? É justo que ganhemos dinheiro público para continuarmos nos apresentando para os amigos?
Não estamos aqui defendendo a manutenção do atual estado de coisas, e também seria justa a acusação de que estamos colocando problemas sem sugerir soluções. Não sugerimos soluções por não as termos; mas que isso não nos impeça de desconfiar. Que fará, nesse futuro imaginado pelo Movimento, o artista que porventura não for aprovado em nenhum edital? Arrumará em emprego em um banco? Não seria o caso de, em vez de ignorar a existência do Mercado, procurar estabelecer um mercado melhor? Será que todo mercado necessariamente é ruim? Se essas produções todas de Rouanet fossem obrigadas a fazer suas temporadas gratuitas (o que seria mais que justo, uma vez que o povo brasileiro é que está pagando as produções) será que isso não teria um impacto benéfico na formação de público? Será inteligente, do ponto de vista estratégico, exigir o fim da isenção fiscal nesse momento, apesar dos seus defeitos gigantescos?
Muitas e muitas e muitas dúvidas. Apenas uma certeza; queremos fazer nosso teatro em condições dignas, queremos levar a cabo o que acreditamos ser um teatro necessário, porque a obra artística será necessária sempre que for honesta, mas também queremos ser profissionais; e queremos fazer teatro para todos. Queremos as casas cheias de todo o tipo de gente. Não sabemos muito como, mas achamos que é possível.
Conexões:
Texto de Pedro Pires (Cia. do Feijão) de dentro da Manifestação.
Cartaz do Ato Público do Movimento 27 de Março
Carta de Salvador - Documento do Movimento Redemoinho
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Nós do Núcleo 1408 publicamos aqui a convocação por achar importante o debate democrático da classe artística com o governo, e para fazer saber aos leitores do blog o anda acontecendo, mas não comparecemos. Não foi por preguiça. Da última vez em que participamos de uma manifestação do Redemoinho, uma reflexão posterior sobre as causas e as exigências nos fez sair com uma incômoda sensação de ter servido de massa de manobra. Concordamos mesmo com essas reivindicações? Uma exame posterior, com calma, nos revelou uma série de discordâncias que nos impedem de fazer coro à manifestação. As exigências do Movimento 27 de Março (o que ocupou a Funarte), e que são as mesmas do Redemoinho, podem ser conferidas aqui. Essencialmente, elas circulam em torno do fim da isenção fiscal (cujas contradições foram fruto de reflexão no post do dia 24/o3/09) e de uma centralização do financiamento da cultura nas mãos do Estado, que também exerceria, através de editais, a escolha dos projetos incentivados. Para tornar o processo de escolha democrático, as comissões seriam paritárias entre membros indicados pelo governo e pela classe artística, como ocorre hoje com a Lei de Fomento paulistana.
É claro que apenas os que lucram muito com o atual formato de isenção fiscal são capazes de defendê-lo, pelos motivos que já expusemos nesse blog, mas será que vale a pena substitui-lo por editais e mais editais? O que está em questão? Um discurso sobre a função e a necessidade da arte somente? Também a sobrevivência dos artistas?
A lei de isenção fical paulista, por exemplo, abre um leque de empresas muito maior que a rouanet; ideologicamente ela traz o mesmo defeito; dar ao empresário o ônus da decisão sobre o destino de um dinheiro público, mas não limita o produtor cultural a um universo de empresas tão grandes, tão desejosas de nomes importantes para a sua "publicidade cultural". Como disse outro dia o produtor-ator-e-dramaturgo de um grupo de São Paulo, citando Walter Benjamin, o artista não pode estar ante ao meio de produção, mas dentro dele. Que queremos nós dizer com isso?
Nunca houve, pelo menos em São Paulo, tanto dinheiro para o teatro, e o bem gerado por esse dinheiro não parece proporcional. Mesmo os grupos incentivados pelos editais continuam apresentando-se em salas minúsculas, desconfortáveis, para uma meia dúzia de interessados, e em geral pagando-se mal. Fazem, em sua maioria, um trabalho bonito e relevante, mas incapaz de furar o bloqueio do público. Os grupos mais novos quase nunca conseguem aprovação nesses editais, ou são levados, pela competição com grupos mais antigos, a propor projetos de muito trabalho e orçamento franciscano. Assim, não se resolve o problema da sobrevivência, e outro problema relacionado diretamente a ele: o da qualidade. A excelência de um trabalho em teatro é, salvo raras excessões, diretamente proporcional ao investimento nos ensaios e no preparo do espetáculo. Os projetos de "teatro comercial" (seja lá o que isso significa) costumam ser muito curtos porque, sendo os salários altos, não é possível mantê-los por muito mais que dois meses. Os projetos dos grupos de pesquisa costumam ser mais longos, mas como não remuneram adequadamente os artistas esse tempo acaba sendo diluído nas preocupações com as contas, e a qualidade do trabalho luta constantemente contra o tempo necessário para ganhar dinheiro fora dele. E repita-se, todo esse dinheiro para o Teatro, em São Paulo, não foi capaz de atrair o público. Então em que direção nos levariam as exigências do Movimento 27 de Março? É certo que o Estado precisa apoiar a cultura, mas com que objetivos? É justo que ganhemos dinheiro público para continuarmos nos apresentando para os amigos?
Não estamos aqui defendendo a manutenção do atual estado de coisas, e também seria justa a acusação de que estamos colocando problemas sem sugerir soluções. Não sugerimos soluções por não as termos; mas que isso não nos impeça de desconfiar. Que fará, nesse futuro imaginado pelo Movimento, o artista que porventura não for aprovado em nenhum edital? Arrumará em emprego em um banco? Não seria o caso de, em vez de ignorar a existência do Mercado, procurar estabelecer um mercado melhor? Será que todo mercado necessariamente é ruim? Se essas produções todas de Rouanet fossem obrigadas a fazer suas temporadas gratuitas (o que seria mais que justo, uma vez que o povo brasileiro é que está pagando as produções) será que isso não teria um impacto benéfico na formação de público? Será inteligente, do ponto de vista estratégico, exigir o fim da isenção fiscal nesse momento, apesar dos seus defeitos gigantescos?
Muitas e muitas e muitas dúvidas. Apenas uma certeza; queremos fazer nosso teatro em condições dignas, queremos levar a cabo o que acreditamos ser um teatro necessário, porque a obra artística será necessária sempre que for honesta, mas também queremos ser profissionais; e queremos fazer teatro para todos. Queremos as casas cheias de todo o tipo de gente. Não sabemos muito como, mas achamos que é possível.
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Texto de Pedro Pires (Cia. do Feijão) de dentro da Manifestação.
Cartaz do Ato Público do Movimento 27 de Março
Carta de Salvador - Documento do Movimento Redemoinho
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