terça-feira, 21 de abril de 2009

Desistência e Resistência

Por mais que nós batalhemos para que o teatro seja visto como uma profissão, o próprio fato de essa batalha ser necessária já faz do teatro uma causa. A profissionalização precária faz com que o artista de teatro brasileiro tenha que se fazer capaz de suportar um desconforto financeiro que é, na maioria das vezes, incompatível com sua origem social; uma completa precariedade de condições de trabalho, ensaiando em espaços inadequados e às vezes até mesmo insalubres, apresentando-se para platéias ínfimas entre a poeira das cortinas e o cheiro de fios elétricos queimados, presa de qualquer espertalhão que tenha aprendido a fazer dinheiro com a pobreza, e que o explorará deslavadamente apelando para a sua consciência artística e social.

Isso que estou dizendo, só quem não é de teatro não sabe, e as linhas de fuga disso são, para quem quer que tenha uma consciência artística mais desenvolvida, insatisfatórias e até mesmo humilhantes; o trabalho de vendedor televisivo em campanhas publicitárias, ou as peças comerciais (toda peça de teatro "profissional" é um empreendimento comercial - chamamos de comerciais aquelas peças que, destinadas para um público muito específico, são deliberadamente simplificadas, deliberadamente pobres, deliberadamente ruins). Mas é evidente que, se estamos aqui, fazendo o teatro que queremos, é porque acreditamos que seja possível romper esse ciclo, discordar dessa lógica, de fazer de um bom teatro (que é o teatro que nós perseguimos, o teatro que nós tentamos fazer) um empreendimento comercial de sucesso.

Todo esse discurso porque fiquei sabendo recentemente que uma amiga nossa, atriz até bastante respeitada, já indicada a um prêmio importante e tudo mais, desistiu da profissão. Sempre que algum artista de talento joga o pano sinto uma mistura de tristeza e de raiva. Felizmente a raiva, que é um sentimento motor, ao contrário da tristeza, tem predominado. Sinto como se a causa estivesse sendo traída, como se nossa igreja tivesse perdido algum sacerdote.

Algo que deveria ser entendido por qualquer artista de teatro, algo que deveria ser escrito em letras garrafais na parede das escolas de teatro todas: Nós é que fazemos o teatro, o teatro brasileiro é o teatro que nós quisermos que ele seja. Sonhe com o teatro que você deseja, trabalhe na direção dele, ele acontecerá. As horas de ensaio, de sangue, o tédio de escrever projetos, tudo isso será recompensado. O artista que se colocar em relação à sua arte de maneira passiva será presa de espertalhões que, no fim das contas, o convencerão de que fazer teatro não vale à pena. O artista que só encontra a sua luz orbitando em volta dos Grandes Velhos Sagrados do teatro, esse será sempre descartável. O teatro (não somente o teatro, mas o Trabalho, todos os tipos) é uma marca que imprimimos no mundo, e quem não quiser (ou não souber) imprimir a sua marca, será sempre o explorado em qualquer relação que estabeleça, e talvez mereça isso.

Me lembro que, no nosso primeiro grupo de teatro, depois de fazermos alguma bobagem, a nossa diretora Luciana Barone nos disse uma frase que talvez possa soar piegas, mas que é uma verdade dura e profunda: "O teatro é como Mar; aqueles que não lhe pertencem ele devolve para a praia".

(Rui Xavier)

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