quarta-feira, 18 de junho de 2008

Poema-Panfleto do Núcleo 1408

À CLASSE TEATRAL

Nós temos atravessado madrugadas
e o café e o sarro dos cigarros
ainda vão devorar nossos talentos.

Ambicionando pacs e fomentos
gastaremos mais tendões dos nossos dedos
mais as paixões do peito e a tinta das impressoras
do que temos gasto em nossos textos,
e por quê?

Se dissermos de nós mesmos
(como o fiscal a Mayakovski dizia)
"incompreensíveis às massas"
nós não mereceremos a fatia
do Estado dos nossos orçamentos.

Se dissermos que o teatro não é uso
nem lucro do comércio de lazer
mas forma elevada de estudo
então haverá menos que fazer
pela nossa audiência interessada
pois é muito pouco republicano (concordam?)
dar mais a quem já tem tudo
e nada a quem não tem nada;

Afinal se é com medo do tédio
que as peças raro excedem trinta páginas
porque a audiência de nossas salas
(de 30 a 60 lugares!)
já não é acostumado com as palavras
não estamos falando certamente
daquela que escuta atentamente
a Bíblia todinha nas praças.

Se o cabeçalho dos nossos manifestos
reinvindica a revolução social
como pode o corpo do texto
pedir só e tão somente mais um prêmio
para alimentar a classe teatral?
em um tempo tão pouco solidário
entre os homens, as cidades e as nações
nós que não ganhamos com trabalho
quereríamos com esse cabeçalho
ganhar com nossas boas intenções?

Se assumimos necessário cobrar
a meia entrada a quem poderia
pagar tranquilamente a entrada inteira
isso não seria igual a assumir
que o teatro é de tão fraco apelo
que é tão estiolada a sua energia
que ele poderia morrer
que pouca falta faria?

E por quê sermos tão generosos
se a conta de luz não é meia
se o aluguel, as roupas,
a cerveja e os cigarros,
se nada além do jantar
no Luna, Piolin ou Planeta's
se paga pela metade.

Se mesmo assim as salas estão pela metade
e se por conta de tanta contingência
os ensaios se ensaiam à metade
e se nós, pela sobrevivência
também somos artistas à metade.

Para se obter uma resposta é necessário
que se faça a pergunta certa,

E nós deveríamos nos perguntar o que fazer
para que um bairro, uma cidade
- se pudermos tanto - para que o país
tome conhecimento do prazer
da beleza e do arrebatamento.

Num mundo de tanta de demanda
por tanta história, imagem, som e movimento
o teatro - imagem viva do momento
não tem que oferecer a sua parte?

(se os povos tem o Estado que merecem
não é isso verdade prá arte?)

Em todo lugar se avoluma a gente humana:
o nosso público alvo.

Façamos portanto esse exame
senão ficaremos sozinhos
arrebentando a cara nos moinhos
vivendo de aulinhas e reclames.

Rui Xavier - junho / 2008

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