segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Satyrianas

As Satyrianas são um bruta evento que, agora, dado o inegável poder de articulação da Cia. dos Sátyros, lançou braços e pernas para bem além da praça Roosevelt, incluindo vários outros espaços teatrais do centro. Desde que me acheguei na Praça Roosevelt, primeiro colocando ali em cartaz a primeira montagem d' "Os Assassinos de Inês de Castro" (minha primeira direção) e depois como ator e assistente de direção no Sátyros, participo das Satyrianas; já fiz o Uroborus (antecessor do DramaMix) duas vezes, fiz esquisitices na caçamba (uma vez sentei naquele negócio e li, sei lá, vários capítulos dos Comentários Sobre a Segunda Década de Tito Lívio, de Maquiavel, e outra vez fiz uma performance terrível em que eu fingia costurar meu pau. Nas duas vezes me diverti muito), participei do Show de Boate, etc. Quando trocaram o Uroborus pelo DramaMix, escrevi uma cena (chamada, inclusive, Uroborus, e que brincava com o conceito do evento anterior, mostrando dois atores presos em um espetáculo que não acabava nunca) que foi dirigida pelo Fábio Ock, e dirigi a Hévelin Gonçalves em uma cena de José Simões chamada Alice.

As Satyrianas são um puta evento, tem cheiro de efervescência cultural e civilização; mas, como anda a situação real do nosso teatro e cultura, toda essa agitação acaba causando uma certa desconfiança (onde está toda essa gente interessada em teatro no resto do tempo afinal?). No ano passado o Mário Bortolotto fez uma advertência sobre os perigos de uma carnavalização desse evento, sobre o gosto duvidoso pelas celebridades, e sobre os horários das apresentações, que estavam bons para elas e ruins para "rooseveltianos" de um bom tempo, como os moços do Teatro da Curva.(Confira o texto no blog do Mário: http://atirenodramaturgo.zip.net/arch2007-10-14_2007-10-20.html) Também, quem está próximo da coisa, sabe da tendência de deixar tudo para a última hora (que começa na organização e se estende até alguns artistas convidados, e muita coisa é feita nas coxas), dos bêbados atrapalhando os espetáculos, e dessas coisas que, quando eu comecei a fazer teatro, eu achava um charme, mas que agora começam a me dar no saco. Aconteceu, na minha relação com as Satyrianas, um episódio que resolvi comentar aqui no Grande Arquivo Público.

Esse ano chamaram-me novamente para escrever uma cena, e a fiz. Imaginei uma cena sem texto, e escrevi uma comprida rubrica (uma página, nem tão comprida assim). Um pouco depois me ligam do Sátyros, perguntando se eu não dirigiria minha cena, no prazo (bem satyriano) de uma semana! Embora constasse no e-mail que eu tinha recebido que "produções próprias eram bem vindas", não havia nada que me instasse a dirigir a cena que eu tinha escrito, e aquilo me pegou de surpresa. Disse que minha vontade era que chamassem outra pessoa para dirigir (estou ficando de saco cheio de dirigir meus textos, isso deixa a gente muito auto-centrado), mas que ia ver se achava os atores. Entendo que, na correia desgraçada que deve ser esse evento, eles preferissem que eu dirigisse minha cena. Mas aí vem uma justificativa, um pouco em tom baixo(quando dita para mim), mas repetida depois (o mundo é pequeno) de que era complicado achar um diretor porque aquela cena não constituía uma dramaturgia, seria um "roteiro" ou "uma performance". Ora, cacete, o que é dramaturgia? "Ação dramática planificada", certo? Não é essa a definição mais razoável? Minha cena só tinha de "diferente" o fato de não ter falas, e sim apenas rubrica. A rubrica, para quem não é de teatro entenda, são os textos, geralmente entre parênteses ou itálico, enfim, destacados do resto, que explicam as intenções ou as ações físicas das personagens. Que é possível fazer textos de teatro apenas com ações não é descoberta minha. É descoberta muito anterior ao meu nascimento, é coisa velha já. Enfim. Nós ficamos com a ilusão de que todo o trabalho das velhas vanguardas nos libertou de alguma coisa para ouvir uma asneira dessas, vinda justamente no escritório de um grupo de teatro que afirma, com tanto gosto, a ousadia de linguagem. Se isso foi ou não uma justificativa para a falta de tempo de encontrar alguém que topasse dirigir aquilo em uma semana, é coisa que pouco me importa. A justificativa foi infeliz o bastante para me animar a escrever esse post. Perguntei para os meus se tinham tempo essa semana para levantarmos a cena, mas eles não tinham, enfim, a cena, sem diretor, foi cortada do DramaMix. Talvez isso seja uma ilusão de pai da criança, mas eu nem achei minha rubrica tão difícil assim de executar. É uma ceninha cômica, sem grandes profundezas. Postei aqui embaixo a cena, para que os leitores possam ter sua opinião.

Rui Xavier

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