A Cena

O PONTILHÃO
de Rui Xavier

(sobre um pontilhão, passam carros a toda velocidade. na sua calçada estreita, que só permite a passagem de uma pessoa, entra uma Velha, caminhando muito, muito lentamente. é a caminhada da Velha de um ponto ao outro do palco que determina o ritmo da cena. quando a velha tiver percorrido um quarto do palco, entra apressado um Engravatado, no mesmo sentido, e dá de encontro com suas costas. fica constrangido, tenta ultrapassá-la pelo asfalto, mas o fluxo dos carros o impede. resigna-se, então, à seguir no mesmo ritmo que a Velha. passa-se algum tempo com os dois caminhando. entra então, tão apressada quanto o Engravatado, uma Mulher de tailleur, fazendo estalar os saltos no palco. percebe que terá que seguir o ritmo dos dois que estão à sua frente. adota a seguinte tática: deixa-os seguir em frente, e então os alcança, apressada. assim vai, parando e continuando, até que o grupo chegue a um pouco mais do que a metade do palco. nesse ponto entra outro Homem, no sentido contrário. todos param diante desse impasse. o Homem o resolve, trepando no corrimão de segurança do pontilhão, e, mostrando habilidade, ultrapassa o grupo, saindo rapidamente do palco. os dois atrás da velha ficam consternados. o Engravatado pára para analisar a possibilidade de se pendurar no cano, mas a Mulher atrás dele pigarreia em protesto. obediente, o Engravatado continua por mais uns passos, e a Mulher executa mais uma vez seu movimento de espera e avanço. o Engravatado pára novamente. a Mulher novamente protesta. o Engravatado olha para ela, para a Velha, para o relógio. suspira agoniado. decide-se pelo cano. avança, com grande sofrimento até perto da velha, mas, ao alcançá-la dá um grito avisando que vai cair. a Mulher o puxa pelo calcanhar, e ele se estatela na calçada, atrás da Velha. humilhado, ele volta a seguir a Velha, e o grupo avança mais um pouco. a Mulher interrompe o seu ritmo, e avança até o Engravatado. sussurra algo em seu ouvido. combinam algo com o olhar. num gesto rápido, o Engravatado segura a Mulher, e faz com que ela o ultrapasse, pelo lado do cano. em seguida, os dois tentam ficar o mais próximos da Velha o possível, para que a Mulher faça ultrapassar o Engravatado da mesma maneira que ele a fez, mas ela não tem forças, e quase o derruba. discutem rapidamente. quando vão começar a seguir a Velha, entram em impasse. o Engravatado quer andar no ritmo da Velha, e a Mulher quer continuar usando seu método de espera e avanço. o Engravatado empurra a Mulher, arrastando-a no ritmo da Velha por alguns passos. a mulher empaca e fica empacada até a Velha dar a distância necessária. isto pode se repetir um pouco, até que a Mulher entre em oposição a ele de maneira que os dois empaquem, raivosos um com o outro, usando cada vez mais força, sem conseguir prosseguir. quando vêem, a Velha já terminou sua caminhada, e eles poderiam ter ido em frente. olham-se furiosos. o Engravata dá meia volta)

FIM