quinta-feira, 1 de julho de 2010

Hévelin e Hélicon



Ser convidada para fazer o Calígula, foi um acontecimento que não passava pela minha cabeça. Eu já tinha o meu comprometimento com a peça como figurinista e sabia que não tinha espaço, afinal, não tinha personagem para mim, porque a única personagem feminina do texto do Camus é a Cesônia, que na concepção do diretor seria uma atriz mais velha. Porém, uma proposta tentadora me foi feita: fazer o Hélicon, que é um personagem masculino e o braço direito do Calígula. Fiquei muito feliz do meu próximo desafio ter sido esse.

Uma das principais sacadas de direção para a construção desse personagem foi a indicação para que eu não fizesse a representação de um homem e sim de uma mulher mais masculinizada, sem perder a feminilidade. Adorei a indicação, assim pude relaxar mais na construção de um universo que eu conheço, me senti em terra firme, diferente de representar um homem de fato, não precisei ir longe para achar mulheres com características mais embrutecidas e judiadas pela vida, elas estão em todos os lugares e todos tem uma ideia de uma mulher rústica na imaginação, esse foi o start para o desenvolvimento do meu processo de criação.

O Hélicon é composto de elementos muito fortes, ele nasceu na escravidão, ele é chão, ele é terra, gente firme, guerreiro, personagem que precisa estar sempre com a energia alta, vibrante e expansivo, o que é algo difícil de sustentar, principalmente depois que se estréia, porque a convivência com o personagem diminui, exigindo mais domínio e concentração de energia, mas, o prazer continua imenso.

Engraçado que não foi sugerido em momento algum, nem por mim nem por toda a equipe, a alteração do nome para o feminino, ficou Hélicon mesmo, e eu gosto muito. Sinto que não causa estranhamento quando o meu nome é chamado, isso é bom, vejo que a maioria do público entende que é uma mulher, até porque tem elementos claros como esmalte vermelho, maquiagem extravagante, blusa decotada acentuando os seios, (códigos básicos de feminilidade), porém, misturados a outros mais fortes e rústicos como o facão que carrega na cintura. O Hélicon é um personagem muito divertido, não só pelo o deboche explicito no texto, mas da aventura que o personagem me faz sentir. Fazer o Hélicon é uma delícia e eu agradeço por vivenciar isso.

Depois do espetáculo pronto e de estar na segunda temporada, passa as vezes lá no fundo uma sensação de que chegar aqui, até pareceu fácil, mas o processo fica presente em você e rapidinho a memória te traz recordações de certas dificuldades e de situações recorrentes na área, atores que saem, atores que entram, alguns que desistem, outros que não conseguem ficar, personagens até tendo que ser sacrificado por conta desse tipo de problema, enfim, coisas que acontecem no teatro, lugar onde só os fortes sobrevivem, e nós estamos aqui, sobrevivendo.

Sempre gostei de trabalhar textos fortes, densos e polêmicos, e estou cada vez mais nessa linha. Trabalhei autores como Nelson, Dostoiévski, Sade, Restif de La Bretonne, e depois do Calígula entrei num processo de um texto do Sartre. Atualmente estou fazendo um texto muito bom, divertido, despojado, forte e dramático, do jeitinho que eu gosto, é praticamente um monólogo, só eu tenho texto e contraceno com um personagem que pensa que é cachorro, tenho um carinho muito, mas muito especial com esse projeto, porque contraceno com o maior parceiro da minha vida, o Rui Xavier, é o primeiro trabalho que estamos só nós dois, este é o meu mais novo desafio. Apesar de todo processo ser um desafio para mim, acho que na medida que vão ficando mais difíceis, também vão ficando mais fáceis.

Hevelin Gonçalves

Um comentário:

Juliano Dip disse...

é isso ai gonçalves!!! curti muito ver você se abrindo assim. bjão